Certas idades soam diferente das outras e 33 é uma delas. Talvez seja a questão mítica da idade de Cristo ou o “diga 33” do exame médico ressoando no imaginário. Sei lá, passei a enxergar algo de simbólico e de lúdico nesses dois números finalmente se encontrando. Dizer “tenho 33” me parece muito mais divertido do que dizer “tenho 32”. Alguma coisa na pronúncia dos erres, no estalar da língua, no tórax vibrando, na semelhança com um trava-língua capaz de provocar algumas risadas. É o oposto da inércia, como se tudo em você se movimentasse numa inquietude gostosa com sabor de expectativa.

Você pode pensar que eu me esforço demais pra ver significado em coisas prosaicas e estará totalmente com a razão, mas a verdade é que não sei viver de outra forma, assim como não sei viver sem ter esperança, por mais que a falta do céu azul nos últimos tempos - entre outras muitas coisas - tenha abalado meu jeito de existir. É fácil sentir que não há nada para celebrar quando aquela imensidão capaz de te ancorar todos os dias está coberta por uma fumaça opressiva, carregada, transformando a respiração em batalha.
Na semana que antecedeu meu 33º aniversário, olhando para cima e pensando em coisas amenas como caos, destruição e morte, cheguei a me perguntar se a tal esperança não seria uma máscara do desespero diante das ruínas de mim mesma e do meu entorno. Será que a disposição para sempre tentar acreditar faz de mim uma criatura delirante? Ainda me questiono um pouco, confesso. Mas foi assim, sonhando com um futuro, que pude sobreviver aos meus vacilantes 33 anos neste mundo insano. Se isso me fosse tirado, o que restaria?
Só me dei conta quando entrou setembro e passei a refletir a respeito da vida com aquele afinco de quem está prestes a ficar mais velha: nos quatro anos que sucederam o falecimento do meu pai, tirado de nós por conta de um câncer agressivo, eu posso até não ter deixado de sonhar, afinal esse foi o maior legado deixado por ele, mas, sem perceber, adotei uma postura bastante autodestrutiva que contribuiu, por exemplo, para uma vesícula repleta de pedras que em breve precisará ser removida e uma quantidade preocupante de gordura no fígado.
A pandemia cruel e o luto enlouquecedor cravaram suas unhas em mim, deixaram seus resíduos em um corpo traumatizado, sem dúvida, mas a coisa não acaba aí. Tem a ver com amor próprio. Com a falta dele, para ser mais exata. Um assunto tabu, ignorado até mesmo na terapia, porque eu não queria dizer em voz alta que talvez não me amasse o bastante e por isso negligenciava tanto a minha saúde, me afundava em maus hábitos e mergulhava em momentos de limbo, nos quais não conseguia parar de pensar que nunca mais seria capaz de criar coisa alguma ou ter uma existência minimamente funcional.
Sempre achei que a culpa era de uma crença ridícula instalada no meu cérebro desde pequena. A crença de que eu teria pouquíssimo tempo nesta terra. Por conta dela, eu variava entre querer viver tudo de uma vez, impulsivamente, e os momentos de limbo, nos quais me perguntava “qual o sentido, afinal?”. Seria o pressentimento de perda se manifestando da maneira mais tóxica possível e virando autossabotagem? Não sei, não tenho todas as respostas.
Cultivar a esperança é muito bonito e está costurado em mim, mas não é o suficiente se eu não me amar. Não basta sonhar com um futuro se não consigo cuidar de mim e valorizar meu tempo, seja ele qual for. Dizem que o pedido ao soprar as velinhas do bolo de aniversário precisa ser secreto, mas vou deixar o meu bem público: desejo ter forças para me amar, cuidar do meu corpo e não somente do meu espírito, ser gentil comigo mesma, me confortar e me abraçar, exatamente como eu faria com as pessoas que mais amo e tento proteger. Além disso, se eu não estiver nesse mundo, não é possível gritar por mudança e estar em movimento.
Estou grata por estar.
E te agradeço por estar aqui comigo e ler essas palavras.
Direto da escrivaninha,
com amor,
tary
P.S: Quando meu aniversário de 33 anos chegou, na manhã do dia 16 de setembro, depois de uma madrugada chuvosa, enxerguei celeste ao abrir a janela do quarto.
Lindo! Sei exatamente como é se sentir assim, você é foda e eu te amo! Não pare de escrever ❤️