Direto da minha escrivaninha, com amor
A importância de colocar no mundo aquilo que nasce dentro de nós
Sempre me encantei com as palavras e com a escrita. Sempre. Mesmo antes de aprender a ler e escrever, ficava intrigada com a minha mãe totalmente absorta na frente de um livro, a ponto de não ouvir aos meus chamados. Sonhava em compreender aquele código desconhecido e entender o que havia de tão incrível naqueles objetos. Vivia rabiscando em papéis como se estivesse escrevendo algo extremamente importante e brincava de digitar em cadeiras brancas de plástico que viravam computadores de última geração nas minhas mãos.
Quando finalmente aprendi a decifrar aquelas letrinhas unidas e transformá-las em frases completas, nunca mais parei. Lembro de ganhar um livro de surpresa, borrifar meu perfume em uma caixa bonita e guardá-lo ali dentro, vivendo minha própria versão da felicidade clandestina de Clarice Lispector, muito tempo antes de conhecer a literatura dela.
Não imagino minha vida sem os livros e escrever é um hábito costurado em mim há anos. Todos me conheciam por isso. A Tary escreve, a Tary vai ser escritora. A escrita está diretamente ligada a momentos marcantes da minha trajetória. Quando precisei defender uma amiga de um bully na escola, compus um texto furiosamente e li em voz alta com os olhos cravados nele. Comecei muitas amizades duradouras na época dos blogs por conta das minhas palavras. Me formei em Jornalismo, me formei em Letras, sou pesquisadora de literatura, crio conteúdo sobre livros e mantenho diários regularmente há mais de uma década.
Na infância, eu passava tardes inteiras na casa da minha avó escrevendo e ilustrando pequenas histórias, como a de um peixinho solitário que saía do lago em busca de amigos em terra firme, mesmo sabendo dos riscos daquela atitude. A melancolia daquele texto me faz pensar sobre o quanto eu me sentia sozinha antes da minha irmã chegar e sobre o pressentimento de perda do qual fala Joan Didion no ensaio Sobre ter um caderno:
Quem tem cadernos secretos é de uma espécie completamente diferente, são pessoas solitárias e resistentes, sempre querendo reordenar as coisas, descontentes ansiosas, crianças que aparentemente quando nasceram se afligiram com algum pressentimento de perda.
Minha mãe teve uma complicação séria na gravidez e por pouco não me perdeu. Eu quase não vim ao mundo. Me pergunto se isso não me tornou, de alguma forma primitiva, consciente da fragilidade da vida, atenta à necessidade e à importância de colocar tudo no papel.
Aos 13 anos, para um trabalho de português do colégio, produzi um caderninho comparando a minha geração com as gerações dos meus pais. Quando revisitei aquele volume em brochura caindo aos pedaços, me emocionei com a declaração para o meu pai, que faleceu em 2020.
Sempre batalhador, ele valoriza a vida a cada instante e sabe que pode não existir o amanhã, por isso diz o quanto nos ama e resume, do jeito dele, a importância que temos em sua vida.
Reler esse trecho me pareceu uma confirmação do imenso valor da escrita. Que bonito encontrar uma lembrança dessas escrita de próprio punho e que forte ter escolhido exatamente essas palavras, eternizando a intensidade com a qual o meu pai encarava a vida.
Aliás, foi um texto para o meu blog, sobre nossa empolgação com a Copa do Mundo de 2014, uma das coisas responsáveis por nos aproximar ainda mais. Aquela postagem representava um certo divisor de águas na nossa relação, que havia sido tão complicada e combativa no período da minha adolescência. Tínhamos temperamentos parecidos demais e os choques às vezes eram inevitáveis. Naquela Copa, já éramos muito amigos, muito unidos, mas ao publicar um texto sobre ter me conectado com a paixão do meu pai pelo futebol, talvez eu desejasse me ligar a ele de uma outra maneira, colocar em palavras o quanto o amava e valorizava nossos momentos juntos. Ele leu, agradeceu, ficou comovido.
Dizer que a Copa de 2014 me aproximou do meu pai talvez seja forte demais. Nós somos próximos. Nós brigamos e discordamos, é verdade, mas nos amamos demais e tenho certeza que faríamos de tudo um pelo outro. A questão é que me senti, pela primeira vez, inteiramente parte do mundo dele. Igualmente apaixonada pela mesma coisa, vibrando na mesma sintonia. Tenho lembranças de outros mundiais, mas em nenhum deles eu mergulhei na paixão do meu pai como agora. Existem muitas razões para essa ser a Copa das Copas. Pra mim, no meu coração, essa é a principal.
Quem sabe o pressentimento de perda não tenha tomado conta de mim, de forma inconsciente, quando me sentei em frente ao computador e construí aqueles parágrafos. Sou grata por ter feito isso. De verdade.
Mesmo fascinada pelas palavras, escrever para publicar envolve revelar vulnerabilidades e eu sempre tive dificuldade para lidar com isso. Quando comecei a levar a sério a história de manter diários, me pareceu tão confortável verter meu íntimo somente naquelas folhas em branco. A tentação de permanecer ali foi - e ainda é - muito grande. Mas a escrita me conectou com o outro de maneiras que eu jamais poderia imaginar e a beleza desse encontro, entre outras coisas, me levou a querer fazer isso de novo.
Criar essa newsletter é uma tentativa de abrir meus cadernos - literalmente, já que vou mostrá-los por aqui - e colocar no mundo, mais uma vez, tudo o que mora dentro de mim e nasce, justamente, na minha escrivaninha. Preciso me lembrar que a minha escrita importa - da mesma maneira que minha vida importa - e deixá-la ver a luz do dia.
Muito obrigada por ter lido até aqui e não se esqueça de dar uma olhada no sobre da página no substack para me conhecer um pouquinho melhor. Você também pode me encontrar em outros lugares da internet. Nos vemos por aí.
Direto da escrivaninha,
com amor,
tary
P.S: As citações das fotos são do livro Escrevendo com a alma, fortemente recomendado.